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88%: A VERDADEIRA FACE DO FUTEBOL PROFISSIONAL NO BRASIL


Revisão de: Tiele Kawarlevski


Diferente do que habita o imaginário da grande maioria das pessoas, a realidade de um jogador de futebol profissional no país está bem distante de grandes salários, contratos longos e fama.


Quando se fala em Brasil, o futebol é uma das primeiras características marcantes sobre o país que vem à cabeça de qualquer um. Junto dele, a imagem de um jogador profissional surge como um ser mitológico, a representação do que muitos almejam se tornar um dia. A ideia da realidade de um atleta é sempre a mesma: grandes clubes, salários pomposos, bens materiais em quantidades industriais e fama, muita fama. Só que, bem distante desse imaginário quase universal, está a verdade por trás da profissão.


SALÁRIO MÍNIMO É A REALIDADE DE 55% DOS JOGADORES


Um estudo recente encomendado pela CBF mostrou que 88% dos quase 90 mil atletas profissionais do Brasil ganham no máximo R$ 5.000 por mês. Do número total, mais da metade recebe até um salário mínimo. Um pagamento de seis dígitos é realidade de pouco mais de 3%, e casos de jogadores com vencimentos maiores do que meio milhão de reais, como acontece com 16 dos 20 nomes do elenco principal do Flamengo, são raríssimos, representando 0,1%.


Ainda de acordo com o estudo, o total gasto em salários com jogadores na temporada analisada chegou a R$ 1 bilhão. No entanto, 80% deste valor está concentrado nos vencimentos de apenas 7% dos atletas. A diferença entre regiões também é discrepante: enquanto a média salarial do Sudeste é de R$ 15.000, a do Norte chega a pouco mais de mil reais.


Foto: Antônio Soares Jr.

Jogando no Nordeste, região que fica em terceiro lugar no ranking de valores, o volante Joelson Nunes, do Sergipano-SE, conta que no Brasil sonha em jogar ao lado do meia Everton Ribeiro. “É um cara que eu tenho como inspiração, sempre que ele joga, eu paro pra assistir”. Por enquanto, o seu salário — e o da grande maioria dos seus colegas de profissão — está bem longe dos quase um milhão pagos ao ídolo flamenguista.


Joelson teve uma passagem relâmpago por Portugal, mas a maior parte de sua, ainda curta, carreira foi no futebol brasileiro. Atualmente jogando o Campeonato Sergipano, o jovem de apenas 21 anos mantém seu sonho de disputar grandes campeonatos, como a Libertadores da América e a Champions League. Almeja, assim como tantos outros, a fama e a chance de jogar na Europa. Porém, mesmo com pouca idade, já entende a realidade do esporte profissional no país e, quando pensa em futebol brasileiro, a primeira coisa que vem à sua cabeça é ser valorizado: “Claro, às vezes a gente não tem a oportunidade disso, mas sonho em poder mostrar meu futebol para o Brasil inteiro”, completa.


NAS PREMIAÇÕES E NOS BICHOS, VALORES BAIXOS


Inerente ao futebol, as premiações mais conhecidas pelos amantes da bola contêm muitos dígitos e são de encher os olhos. Em março deste ano, a CBF pagou ao Cruzeiro expressivos R$ 1,5 milhão quando a Raposa entrou em campo contra o São Raimundo-RR pela primeira rodada da Copa do Brasil. Como comparação, ao final do Campeonato Amazonense 2021, o campeão embolsará algo em torno de R$ 100.000.


Conhecida como “bicho”, a premiação especial paga aos atletas e comissão técnica por vitórias, classificações, acessos e, até mesmo, empates nos jogos disputados; isso também é algo intrínseco ao esporte das quatro linhas. O zagueiro Josué Parodia, do Três Passos-RS, entrou em contato com sua primeira possibilidade de receber um bicho. Na ocasião, o atleta estava disputando acesso para a segunda divisão do Campeonato Paranaense como jogador do FC Verê. No começo, o clube havia prometido presentear o elenco com o valor de mil reais, mas a realidade financeira permitiu que fosse firmado um acordo de R$ 400 para os jogadores titulares e pouco menos da metade para os reservas. Josué nem chegou a receber o dinheiro, já que o time acabou não se sagrando campeão.


Foto: Janiel Glinke.

Perto do Paraná, onde ocorreu esse caso, há uma realidade totalmente diferente, em São Paulo, no RB Bragantino. Bem mais do que os 3000 km que separam as cidades de Verê e Bragança, os números envolvidos nos bichos também destoam um do outro. Na temporada passada, o Massa Bruta deu aos seus jogadores titulares R$ 3.000 por pontos conquistados no Campeonato Brasileiro, enquanto os reservas embolsaram a metade do valor. Numa simples partida em que o time saiu com a vitória, cada um que entrou em campo ganhou o equivalente a R$ 9.000.


Tendo somado 53 pontos ao final do Brasileirão, a conta fecha em R$ 153.000 ao andar das 38 partidas. É interessante observar que em uma noite em que o RB somou três pontos, os titulares da equipe ganharam o que 55% dos jogadores profissionais do país recebem em nove meses.


CONTRATOS CURTOS IMPOSSIBILITAM PLANOS DE CARREIRA


É normal que, quando imaginamos estruturas de clubes no futebol brasileiro, imagens como a do mitológico Maracanã venham à nossa mente. Porém, sendo esta a realidade de poucos clubes, resta, à maioria, estádios com gramados irregulares, goteiras nos vestiários e cadeiras de plástico como banco de reservas, tal como foi flagrado mês passado no jogo entre Aimoré x Internacional, válido pelo Gauchão, durante o momento da expulsão do volante do time da casa. Foi flagrada pela câmera da emissora que transmitia a partida uma quase precária estrutura, quando Jean Roberto, que estava sentado em uma das várias cadeiras, foi mandado mais cedo para o chuveiro.


Apesar da situação, grande parte dos jogadores do Brasil lidam por poucos meses com a baixa qualidade de estrutura num mesmo clube. Isso porque os tempos de contrato também são um problema no mundo da bola. Enquanto nos grandes times os menores vínculos tendem a ser de um ano, nos pequenos a situação é mais alarmante.


Foto: Aldo Carvalho.

Dentro da realidade brasileira, junto com outros milhares, o atacante Juninho da Rosa, atualmente no Fluminense-PI, tem passagem por apenas oito clubes ao longo de seus oito anos como jogador profissional. “Os contratos sempre são curtos. O mais longo foi de quatro meses, nada mais do que isso. Só o tempo de duração do campeonato”, comenta.


Com a falta de calendário de jogos, fato este que incide sobre o valor dos salários, a maioria dos clubes montam elencos apenas para a disputa de um só campeonato, geralmente os estaduais, e que duram, em média, os quatro primeiros meses do ano. São 650 equipes profissionais no país e, deste número, apenas 128 times disputam as séries A, B, C ou D ao longo de toda a temporada. A escassez de partidas que preencham o calendário anual dos outros elencos dificulta o planejamento de carreira de um profissional.


No máximo no final de maio, quando está previsto o final do Campeonato Piauiense, Juninho retornará para Venâncio Aires, cidade onde nasceu, no interior do Rio Grande do Sul. “Pela outra metade do ano, irei voltar a trabalhar no comércio da minha família e me preparar para o desafio que virá na próxima temporada. É sempre assim que acontece, no segundo semestre a minha vida é outra”, diz.


COMO A PANDEMIA AUMENTOU A DIFERENÇA


Com passagem por mais de 20 clubes durante sua extensa carreira, o meia Athos, de 40 anos, é um dos inúmeros jogadores que sofreram consequências em seus trabalhos devido à pandemia. Em março de 2020, teve seu contrato com o Veranópolis encerrado. Sem opção no mundo da bola, foi para Santa Catarina administrar a pousada da família. Durante oito meses ficou sem clube. No final do ano, jogou apenas um mês pelo Próspera, de Criciúma, e, desde então, segue longe dos gramados.


Foto: Flávia Menezes.

Assim como diversos setores da sociedade, o futebol, na figura dos clubes, viu sua renda diminuir drasticamente. Enquanto times grandes cortavam salários, os pequenos perdiam jogadores. Durante a paralisação do Paulistão no ano passado, o Santo André perdeu 21 atletas do elenco devido a términos de contratos, dentre eles, o artilheiro da equipe. Na competição, dos elencos dos 12 times “menores”, 34,2% dos profissionais tinham vínculo até o final de abril. A solução por parte dos clubes foi fazer “contratos tampão” com outros jogadores mais baratos, para o andamento do campeonato, que voltou apenas no final de julho.


Para Athos, a pandemia agravou a diferença entre aqueles atletas que, segundo ele, podem ser protegidos pelos seus clubes “e aqueles que estão sozinhos na luta diária da profissão”. Experiente, afirma que times grandes conseguem dar respaldos importantes e cita o exemplo do Internacional, que reduziu em 25% o salário de seus jogadores. “O que é uma redução assim em salários grandes perto de meses sem receber nada porque não tem contrato?”, acrescenta.


Sem maiores expectativas para voltar a atuar, o jogador cogita encerrar sua carreira um ano antes do planejado: “Fiquei muito tempo parado, há uma desconfiança dos clubes. Há preconceito com a minha idade, e com a pandemia aflorou ainda mais”.

 

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