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UM PAPO COM THEUZITZ

Atualizado: 26 de abr. de 2021

Rock de terceiro mundo: assim é a música de Theuzitz. Mas não é só isso: nascido em Jandira, o jovem artista flutua entre gêneros diferentes como rap, noise e pop. Trocamos uma ideia com ele sobre música, ser um artista, o álbum "Conversando com Espíritos" que está a caminho, o uso de samples... se liga aí:


Foto: Reprodução; Créditos: Yasmin Kalaf

SUSPEITO: "Vamos pelo começo: onde você cresceu? quando se tocou que queria ser um artista? quais suas primeras referências artístico-musicais?"


Theuzitz: Bom, eu cresci na grande São Paulo, numa cidade chamada Jandira que é ali perto de Barueri, Osasco. Cidade bem pobre, sem shopping, com um dos maiores índices de criminalidade e assassinatos do Brasil e não era uma cidade que a gente tinha muita coisa pra fazer. Olhando em retrospecto hoje, muito desse lance de criar vem disso: eu não convivia com quadra perto, eu não saía tanto pra ter outros programas, então a minha diversão era muito inventar as coisas em casa e eu sempre quis criar. Sempre foi uma coisa muito minha. Minha família não é uma família de músicos, apesar de ser uma família bem musical então eu sempre tive contato com muitas coisas desde cedo: Tupac, BIG pelo meu irmão; As coletâneas do Dinamite; Espaço Rap; os discos do Racionais obviamente; meus pais ouviam muito outras coletâneas de funk, Betty Wright, Jimmy Bo Horne, essas coisas.


SUSPEITO: "Cê vai lançar um disco depois de 4 anos, desde que cê lançou o primeiro. Como foi o processo de fazer o segundo disco? Tô ligado que já era pra ter saído a um tempo e cê teve alguns problemas, essa ideia, ainda mais com a pausa da pandemia que atrapalha na produção de clipe e gravação?"


Theuzitz: Fazer esse trabalho foi uma relação bem intensa porque eu já tinha vindo desse processo de tá gravando um disco que ia rolar ano passado, mas meu PC quebrou e eu tive que me reorganizar de várias maneiras, emocionalmente também, porque vários trabalhos já tavam pra ser lançados, inclusive o clipe da Noite II era um single do disco, mas foi importante pro amadurecimento do meu trampo em vários sentidos. Eu acho que a vibe que eu tava trazendo eu consegui atualizar em várias coisas, já que como eram muitas músicas antigas, ter acontecido esse processo foi bom pra que eu conseguisse me enxergar de outra maneira.


SUSPEITO: "É, e nesses 4 anos teve essa mudança sua de Jandira pra São Paulo. Eu queria que você desse um panorama enquanto músico sobre as diferenças entre morar em lugar mais pobre e afastado pra morar numa região central de São Paulo"


Theuzitz: É um negócio que te move, assim, estar num outro contexto, bem localizado num bairro de classe média saindo de um bairro de periferia, que na verdade ainda era o fundão, penúltimo bairro. Ter essa mudança foi um processo bem intenso de passar a observar essas novas situações, ver como o dinheiro funciona, ver como as pessoas lidam com o tempo, como é tudo mais rápido porque as pessoas tão enxergando muito mais coisas e isso me fez produzir num outro ritmo também. Foi até melhor no sentido de poder estar a par do que tá rolando, de estar inserido no próprio tempo. Acho que as próprias cidades metropolitanas, ou as cidades ao redor do centro, carregam uma nostalgia que é intrínseca porque a gente cresce e envelhece dentro daquela cidade, então a gente acaba ouvindo as mesmas músicas que a gente ouvia quando tinha 16, 17 anos e aquilo vai virando uma cultura própria, né. Eu acho que em São Paulo, quando a gente tá nas periferias daqui, tipo, uma periferia de São Paulo é muito diferente da cidade de Jandira porque o cara já tem mais acesso a muitas outras coisas que talvez alguém que tem grana numa cidade menor não tem por não viver nessa dinâmica, e ter me mudado pra cá mudou totalmente meu processo de enxergar as coisas, lidar com determinadas situações e transparecer isso na arte.


SUSPEITO: "Existe uma sensação de pertencimento depois da mudança ou ainda tem aquela coisa de se sentir um outsider?"


Theuzitz: Eu ainda me sinto um outsider mesmo morando em São Paulo, mas eu acho que em Jandira a gente tem uma percepção das coisas que é muito diferente. Assim, tem muitos benefícios também, porque em São Paulo as pessoas não conseguem ter tempo pra respirar e pra fazer arte e a gente precisa desse tempo ocioso, pra poder trabalhar a nossa criatividade; é muito difícil ser original nascido em São Paulo, eu acho que se a gente for observar a galera que é foda que talvez seja paulistana, provavelmente não é do centro também porque a galera aqui tem tudo, então ninguém se força a ser novo. Então em Jandira eu acho que eu construí uma base que eu acho que vou carregar pra sempre enquanto um autor. Mas pra fazer a parada, pra entender como a parada funciona, estar aqui foi essencial.



Theuzitz no clipe de "Chao Chao" Foto: Reprodução; Créditos: Yasmin Kalaf e Bruno Queiroz

SUSPEITO: "Voltando ao disco e a você como artista, de 2016 pra cá o que mudou na postura pública do artista? E como você lida com essas mudanças"


Theuzitz: Uma coisa que eu penso muito ultimamente sobre essa questão é o tanto que a gente vai se desumanizando. Eu tenho tendências a uma cultura que se relaciona mais com abolicionismo penal porque eu não acredito que uma pessoa seja ruim e pronto e acabou. E a cultura do cancelamento parte muito desse pressuposto: hoje a gente vive numa cultura muito diferente de 30, 40 anos atrás no sentido de mídia. Se antes as pessoas tinham a informação vinculada apenas pela TV/Rádio, hoje com a internet a gente só vê o que a gente quer ver. Acho que por um lado a gente passou a se interessar por coisas que tem mais a ver com a gente e com as nossas narrativas, mas por outro lado a gente tem mais dificuldade pra lidar com coisas que a gente não gosta ou conhece.


SUSPEITO: "Eu tenho a impressão que esse disco novo quebra algumas expectativas. Por exemplo: o uso de determinados samples vai pegar muita gente desavisada, como por exemplo da clássica 'Cai Lágrimas'. Como foi a ideia de inserir esses recursos na sua música?"


Theuzitz: Então, desde que eu comecei a fazer música, gravar e tudo mais, samplear sempre foi uma parada que rolou pra mim e pra mim o sample é a conversa, é como se fosse a colagem pra arte contemporânea. Então quando eu uso o sample eu tô conversando com aquele momento, com aquela época, com aquele artista, com aquela vibe e aquela estética. De coisas que eu começava a gravar, eu sempre buscava samples que tinham a ver com a minha história, com o que eu chapava, assim. O nome do disco "Conversando com Espíritos" vem disso. Tem essa quebra de expectativa do tipo... não é o mesmo disco indie que você vai ouvir com baixo guitarra e bateria em todas as faixas, mas é um disco que se amarrava por existir essa conversa com determinadas épocas. Um maluco falou pra mim que o meu som se definia por nostalgia do futuro e eu acho que faz muito sentido. Primeiro som, a 'Dormir Machuca, eu sampleei Leonard Cohen e Brian Eno que são umas coisas que eu acho que alguém de rap dificilmente samplearia, mas ao mesmo tempo eu tô rimando ali e eu tô tipo lançando as minhas guitarras que eu já usava e tô cantando com autotune ao mesmo tempo e é uma composição, não um exercício: é uma conversa comigo e com essas pessoas, essas épocas. A minha pira com samplear é exatamente essa, de tipo, pegar as épocas, criar um diálogo entre elas e criar outra peça a partir disso.


SUSPEITO: "Como as pessoas do seu círculo artístico são? Existe um apoio?"


Theuzitz: Eu acho que com o som que eu faço, eu tô criando o meu próprio círculo e eu espero que a partir do meu círculo, mais gente vá sentindo empatia e somando. Eu acho que tentar entrar em outros círculos ainda mais no meio da arte, eu acho que é uma coisa que é muito desgastante, é uma coisa que é muito ... eu acho que o fim não é esse. A gente tá fazendo isso e a gente começou a fazer isso por outros motivos. Eu pelo menos comecei a fazer.


SUSPEITO: "Voltando pro disco, eu queria que você falasse da espiritualidade da coisa, assim, eu percebo que é um disco que evoca coisas metafísicas. Como foi o processo de inserção da fé nesse trabalho?"


Theuzitz: A minha fé é muito particular. Eu já tive contato com várias religiões e ... aprendi muito com cada uma delas e tive que entender o que é melhor pra mim e o que fazia mais sentido. Eu passei por várias situações onde pude... ter o testemunho que a minha fé se concretizou e também pude ter várias experiências que me fizeram cada vez mais enxergar o mundo e a vida de uma outra maneira. Tipo, esse disco é um disco que ele surgiu muito desse período de estar aqui isolado nos primeiros meses de pandemia em casa e passando por vários casos de sonambulismo, sonhando com a minha mãe que faleceu, sonhando com outros amigos e situações de maneira bem recorrente. A gente tá numa época de auto-afirmação pra caralho, do tipo 'eu sou o pretão foda; a gente vai ficar rico; a gente vai mudar o mundo, interpretar tudo' e mano, como é que dá pra gente falar de uma parada assim com 160 mil pessoas morrendo no país tá ligado? Talvez seja uma audácia extrema, ou uma ilusão liberal muito grande tá ligado, mas eu não conseguia falar dessas coisas e só saquei que eu precisava me enxergar em primeiro lugar pra depois eu poder falar de alguma coisa que fosse além de mim.


SUSPEITO: "Você assumiu quase que sozinho todo o processo produtivo e de gravação do disco. Como foi? Você acha que se dá melhor assim?"


Theuzitz: Eu comecei a produzir sozinho muito por necessidade, assim, né. Tá em Jandira, ser um moleque esquisito de uma cidade esquisita também. Porque cê não acha uma galera que curte as mesmas coisas que você, então foi muito disso e eu comecei tocando rock/indie, então essa influência é notória no disco, eu nem sei dizer se é um disco de rap ou de rock alternativo. Mas eu passar a produzir beat me possibilitou fazer sozinho as coisas. Sobre as colaborações, nesse disco tem, mas todas no sentido na produção: tem o Noguchi que tocou na Ventre e canta na Punks; Valcian que tá junto na Dormir Machuca; Santos que gravou comigo na Conversando com Espíritos, então várias outras pessoas que tavam comigo já fazendo música comigo de uma cota, são parte do diálogo que eu queria criar com os samples, épocas, etc.


SUSPEITO: "Cê tinha falado que aqui no Brasil a galera surfa muito em tendência, ninguém quer ser autor. Quem você identifica como bem original na galera que faz som hoje em dia?"


Theuzitz: Eu acho o Yung Buda foda, acho muito autêntico. Rico Dalasam, Liniker, essa galera LGBT que tá no meio do rap, do pop, tá trazendo várias inovações no sentido do que é ser artista. É um tipo de cena que a gente não vê em nenhum outro lugar do mundo. Eu gosto muito de Vandal; esse novo álbum do Black Alien: essa galera que é mais velha também né, a gente olha muito pros mais novos como se eles tivessem superado o antigo, mas é tudo bobagem. Tasha e Tracie que são as mais original que tem, enfim, são vários.


SUSPEITO: "Pra finalizar, uma mensagem pros nossos leitores:"


THEUZITZ: Que vocês sintam o som com a bagagem de vocês, e que o que a gente faz não é sobre a ser versão brasileira de algo, mas sobre a gente fazer a nossa melhor versão de Brasil. Ainda vai rolar muita coisa, e cê curtindo agora vai poder falar que tava desde o dia 1 quando a gente tava lançando Chao Chao. Se cuidem e muita fé.



MÍDIAS DE THEUZITZ:

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