Estamos aqui para dar espaço a quem merece, trocar experiências e abordar novos assuntos. Batemos um papo com o artista visual Felipe Magalhães, mais conhecido como Beré, falamos sobre arte, Brasil, mercado, racismo e mais. Confira abaixo a entrevista realizada por Tiago Motizuki.
SUSPEITO: Essa será nossa primeira entrevista para o site. Nós da Equipe Suspeito estamos buscando estar em contato com todo tipo de artista e você será nosso primeiro entrevistado. Gostaria que você se apresentasse, pra quem ainda não o conhece.
Beré: Pimeiramente, satisfação em participar do projeto, espero que seja bastante promissor. Eu sou o Felipe Magalhães, conhecido também como Beré, sou um designer gráfico e artista visual de São Paulo.
SUSPEITO: Conta pra gente, qual foi seu primeiro contato com arte?
Beré: Por mais que eu tenha crescido em Guarulhos, que é um município que faz divisa com a Zona Norte e Zona Leste de São Paulo, e lá, por ser meio que uma cidade dormitório, existe uma grande defasagem dentro das várias linguagens artísticas, tipo a falta de centros culturais, museus e outros espaços como esses (...) Mas, em contra ponto, minha mãe e algumas tias e primas, que moram na capital, sempre me levaram em museus, shows e pra dar uma volta pela cidade mesmo. Isso fez com que eu mesmo criança tenha absorvido alguns referenciais culturais. Anos mais tarde, com treze anos, eu descobri os bombs, pichos e tags, que me passaram uma perspectiva de arte mais acessível. Fui praticando nos cadernos, até que, nos quatorze para quinze anos, comecei ir pra rua. Eu podia fazer um squeezer em casa com corante xadrez e bucha de lavar louça, por mais que não foi instantâneo entender que a intervenção urbana também era uma linguagem artística, já me sentia dentro de algo.
SUSPEITO: Na adolescência, quando você decidiu explorar mais o lado urbano da cidade e se aventurar na rua, conheceu artistas e chegou a se juntar a algum coletivo?
Beré: Sim. De início no picho, eu saí com alguns amigos próximos do bairro e tals, e tinha um mano que lançava CIENT e que me ensinou bastante coisa dentro e fora da pichação. Mas eu não fiquei muito no rolê. Depois de um tempo, o bastante pra aprender a usar a lata, comecei a explorar mais na tag e no bomb, no começo eu fazia muito sozinho, porque, nunca fui de ir atrás de conhecer as pessoas que estavam no rolê, se alguém me chamava pra fazer um junto eu ia e fazia, deixava ser orgânica a amizade que aí o rolê de tinta crescia junto. Nessas, eu conheci vários manos sangue-bom, tipo os manos da UP Crew, o Tenso e o Crudo. Esse último é um mano firmeza demais que me introduziu também na luta política. Acho que tinha dezesseis ou dezessete anos e ele me deu um salve para fazermos uma revitalização de uma biblioteca que tem no meu antigo bairro, ele me deu esse salve e falou pra chamar uns manos do graffiti pra fazermos um mural, foi um dia da hora e depois de pintarmos, rolou um rango e me chamaram pras reuniões, trocas de ideias que rolavam sobre esse projeto de revitalização da biblioteca. Já achei louco e abracei a causa, comecei a colar e conversar com uma rapaziada mais velha, mais politizada, foi me dando outras percepções de mundo, e foi meio que o estopim para eu me organizar com outras pessoas nos próximos anos. O que virou alguns outros coletivos fora das artes visuais que eu vim a participar.
SUSPEITO: Na sua opinião, o que leva algumas pessoas a subjugar a arte abstrata?
Beré: Eu vejo muito como a linha tênue da ignorância e do preconceito, arte é um negócio louco, pois, ao mesmo tempo que você pode estar num país que respira arte, você está num país onde o conhecimento sobre arte não é para todos. Aí entra na coisa do belo e do expresso, como uma pessoa reage ao ver um desenho realista que de primeira ela já consegue compreender toda informação que a obra pode passar em concorrência com uma obra que talvez a informação mais clara tá no nome ou na técnica.
É uma fita semelhante nas relações inter-pessoais a pessoa vê a carcaça e já supõem e cria inúmeras coisas que a carcaça não pode transparecer, mas fica nisso, na superfície. Isso diz respeito sobre tudo, tudo possui uma superfície que talvez não seja o todo. E aí que devemos pensar como sair dessa superfície palpável, acho que o abstracionismo tem essa capacidade, de tirar a pessoa da zona de conforto dela e tentar outras perspectivas de analise do todo.
SUSPEITO: O artista plástico Samuel de Saboia sofreu ataques racistas por sua arte ser abstrata. Acha que a recepção a sua arte tem as mesmas dificuldades?
Beré: Sim, flagrei essa fita. Foda mano, com certeza estou sujeito aos mesmos ataques, e isso permeia em todos os campos da minha vida, mas dentro da arte é foda, pensar o quanto o meio é elitizado e essa elite é racista, mas vai agir nas subjetividades. O ataque externo é mais louco, porque, entra nessa compreensão da ignorância, o que um humorista tem de crítico de arte? É a brecha pra ser racista? Sim. Em mundo de internet que todos temos um pouco de pessoa pública é foda e esses ataques vão estar em todos os campos, a pessoa negra sempre será insuficiente e sua arte sempre será questionável.
SUSPEITO: Qual obra mais impactou seu trabalho? levando em consideração pinturas, livros, álbuns, filmes. Quais são suas inspirações?
Beré: Um filme que me passou algumas ideias de como explorar minha mente pra absorver o que ela tem a falar foi o Waking Life, é um filme muito louco em animação que vai acompanhando uns diálogos. Eu também aplaudo muito a vida e obra do Heitor dos Prazeres que é um dos maiores compositores brasileiros e pintor, acho essa versatilidade demais, pensar que a arte é uma e flutuar entre as linguagens pra se expressar é mágico.
O som do Ogi e do Paulo Cesar Pinheiro nessa pegada de cronista também me ensinou muito a observar. Conhecer o trampo do Hako Hanson que é um pintor camaronês também foi importante pra mim na questão de linguagem. A grande maioria das minhas inspirações foram os corres do dia, os trampos que já tive e as trocas de ideias dessa vida.
SUSPEITO: Agora em relação ao mercado: quais as dificuldades no Brasil? E entre os artistas há mais competitividade ou companheirismo?
Beré: As dificuldades são enormes, ainda somos um país subdesenvolvido, onde você fala "sou artista" ainda vão te responder "nossa, mas, o que você faz pra se sustentar" então tem essa fita de não sermos vistos como profissionais e isso em várias áreas das artes, mas as demandas e as contas aparecem. Não tenho grandes referenciais fora do país também, mas, assim consigo enxergar que nossa arte acaba sendo mais atrativa pra elite gringa do que pra elite brasileira, pela questão de romantização da realidade do subdesenvolvido lá enquanto aqui uma parte da elite busca fingir que não existimos, que não pesamos na terra e que nossa visão de realidade é fraudulenta e a parte que até dá uma atenção não procura, não questiona o porque não estamos de montes na galeria preferida dela, meio que uma zona de conforto do que chega a ela e ponto. E entendendo que a indústria está na mão dessas pessoas, pois, elas são as donas de galerias, são os investidores de arte e afins, o maior desafio é fazer chegar a eles sendo que não estamos na mesma bolha, não somos amigos e conhecidos dessas pessoas.
Sobre a competitividade acredito que exista como em qualquer área, ainda mais nesse circuito de galeria que tem o imaginário de não haver espaço para todos, ainda mais pra pessoas negras. Mas em contra ponto vejo muito companheirismo também enquanto nicho sabe, posso citar os artistas negros daqui de São Paulo por exemplo, que buscam esse fortalecimento até aonde dá, o pessoal da Bahia que também faz essa mesma ponte e traz também a discussão do eixo rio-sp das artes. Acredito que exista sim uma fortificação, que têm varias pessoas na disposição de trocar uma ideia, compartilhar, ensinar, mas assim, o corre mesmo é pra fora do nosso nicho artístico e rede de apoio e até chegar lá há muito o que se fazer, tenho percebido que a internet enquanto ferramenta pode ajudar muito nessas novas conexões e outros horizontes. Eu me entendendo enquanto artista sei que preciso me articular, buscar essas conexões complexas e entender como fazer meu trampo chegar.
SUSPEITO: Cara, gostaríamos de agradecer imensamente por você ter disponibilizado seu tempo pra gente trocar essa ideia. Creio que se não fosse a quarentena, poderíamos ter feito algo pessoalmente e mais interativo, mas isso pode acontecer no futuro. Pra encerrar, qual sua mensagem pra quem tá começando agora nesse meio?
Beré: Eu que agradeço, de coração. Esse projeto de vocês é muito importante, muito se faz crítica de vários campos como as mídias e os canais de comunicação, muitas dessas críticas pontuais, mas, acreditar e agir é o que temos de melhor, esse canal da Suspeito vai ser muito importante pra mim e vários como eu que buscam esses espaços pra se informar, conhecer e crescer com o que outras pessoas tem pra acrescentar. Espero que essa entrevista colabore para isso!
A mensagem que deixo é foque nas coisas importante pro seu corre como estudar, buscar conhecer a área e o mercado, isso é impreterível, sonhar e acreditar é importante também, mas, algo que é indispensável é se planejar, isso independente do seu projeto, sempre se planeje, busque um tempo pra criar suas estratégias dentro das suas necessidades e possibilidades. Acho que é isso mesmo! Tiago(Moti) mais uma vez muito obrigado, foi bem daora trocar essas ideias. Abraços e fica em paz!
Mídias de Beré:
Portfólio: https://bere.pb.studio/portflio
Instagram: http://instagram.com/feezm
Fotos por Fabio Buero:
Instagram: http://instagram.com/fabiobuero
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