O Brasil e sua atmosfera agitada, violenta e injusta, a realidade que muitos de nós vivemos, serviu para moldar um homem que entrou para a história.
Texto e Arte de: André Rebello
O motivo para Ho Chi Minh ter tomado esse rumo em sua vida é no mínimo esclarecedor, foi expulso do seu ambiente de estudo por traduzir do vietnamita para o francês um documento onde trabalhadores rurais vietnamitas escreveram fazendo reivindicações junto aos franceses. Após isso, até tentou outros trabalhos, chegou a ser professor. Mas de nada adiantava, já estava na lista negra da polícia francesa e decidiu que seria melhor sair do Vietnã evitando a perseguição política que o seguia.
Ho Chi Minh, em seus 20 anos de idade, sai para o mundo abordo do Admiral Tréville, navio francês, saindo do porto de Saigon, Vietnã, para o porto de Marseille, França. Trabalhou a bordo como ajudante de cozinha, trabalho que eu mesmo já tive experiência e posso afirmar que em condições normais já é uma tarefa desgastante, imagine embarcado em um navio no meio de 1911.
Antes de realmente zarpar, teve dois empregos em Marseille, como jardineiro e sapateiro. Desde sempre vivendo como explorado, profissões de empenho alto e salários baixos marcaram muito a trajetória de Ho Chi Minh, e não apenas enquanto estava embarcado.
De Marseille, pega outro navio e parte para as colônias francesas nas África, conhece Senegal, Camarões e Congo, acaba retornando ao Senegal pegando outro navio e, então, parte para Buenos Aires e Montevideo. Isso em 1912.
Adoece a bordo já no Uruguai rumo ao Brasil, a enfermidade desconhecida que Ho Chi Minh havia contraído foi tão severa que o capitão, com medo de que ele falecesse, o deixa no Rio de Janeiro. O jovem desembarca no mesmo porto carioca onde a Revolta da Chibata havia ocorrido, 2 anos atrás. Com a promessa de que se melhorasse pegaria o próximo navio da mesma companhia para seguir viagem, em semanas já demonstraria ter melhorado da sua enfermidade desconhecida.
Assim que chegou no Rio sentiu a vida brasileira. A escravidão havia acabado há apenas 24 anos e pouca coisa havia mudado de fato, o Brasil continuava arcaico. Exclusão da população negra e a inexistência de direitos trabalhistas criavam a situação onde Ho Chi Minh se encontrava.
Se estabeleceu no bairro de Santa Teresa, trabalhando como garçom e ajudante de cozinha em um restaurante no térreo de um hotel na Lapa. Visitava o porto frequentemente, sempre na esperança de receber notícias do navio que o levaria a seguir viagem.
Nisso, Ho Chi Minh conhece José Leandro da Silva, jovem líder sindical, negro, pernambucano e cozinheiro, figura chave da Greve dos Marítimos, já era conhecido por ser um grande agitador, um homem das massas. Sendo condenado a 30 anos de prisão por se indignar com um policial que o impediu de entrar em um navio que teria ido com fins políticos e ainda teria o mandado sair do porto, José teria sacado sua faca de cozinha e o policial atirado, errando todos seus tiros e caindo do caís. Teria sido cercado por 10 policiais e levou 11 tiros, segundo Ho, o mesmo teria cantado a Internacional Comunista dentro da ambulância, isso tudo crivado de balas. A polícia tentou o incriminar com a morte de um inocente no tiroteio. Sua prisão foi motivo de agitação pelas pessoas que aderiam a greve, José foi uma espécie de mártir e sua liberdade foi conquistada. Ho Chi Minh escreve sobre a luta de José no artigo “Solidariedade Internacional”, escrito em 1921, 9 anos depois do tempo que passou no Rio.
Em Moscou, 1924, Ho comenta com Astrojildo Pereira e Rodolfo Coutinho sobre sua breve estadia no Rio e sobre a boemia que observava na “zona do mangue”, uma antiga área de prostituição na cidade carioca. “O cheiro fétido, com o mercado do sexo, subproduto do capitalismo nas condições do atraso semicolonial.” nas palavras de Ho Chi Minh.
A passagem de Ho Chi Minh pelo Brasil é breve. Teria partido para Boston em setembro ou outubro de 1912, mas sem dúvidas conseguimos enxergar experiências que refletiriam sua personalidade como líder, suas demandas e suas expectativas quanto a uma sociedade melhor. Um homem vietnamita conseguiu enxergar um Brasil que uma pequena porcentagem de brasileiros ignora, a maioria vive essa realidade que moldou seu caráter. Quantos não trabalham em subempregos, marginalizados e enxergam as sequelas de uma escravidão teoricamente abolida, mas que até hoje gera frutos de desigualdade social.
Referências:
Ho Chi Minh – Marxists Internet Archive.
A passagem de Ho Chi Minh pelo Rio de Janeiro – Ariel Seleme, Nocaute.
Ho Chi Minh’s Time in Rio de Janeiro Helped Make Him a Revolutionary – Hugo Albuquerque, Jacobin.
Ho Chi Minh: De garçom no Rio a herói anti-imperialista no Vietnã - Hugo Albuquerque, Vermelho.
As batalhas da Cantareira: a luta dos marítimos em Niterói (1918-1928) - Antonio Felipe da Costa Monteiro Machado.
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