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TRAZ UMA PANELA DA COZINHA! O SAMBA DE RAIZ DO GRUPO REVELAÇÃO

Atualizado: 23 de abr. de 2021


Foto: Reprodução; Roda de Samba no Cacique de Ramos com diversos integrantes do Fundo de Quintal

Na década de 1990, diversos grupos de pagode romântico ascenderam meteoricamente na indústria fonográfica. Para se ter ideia, em 1997, o disco Só Pra Contrariar do grupo homônimo vendeu três milhões de cópias tornando-se o quarto disco mais vendido da história no Brasil. Pegando o sucesso maior deste disco, a clássica “Depois do Prazer”, vemos que há uma diferença em relação ao samba (pagode?) praticado na década anterior por artistas como Fundo de Quintal, Zeca Pagodinho, Almir Guineto e Reinaldo, originados da revolução promovida pelo Cacique de Ramos. Daí o romântico depois do pagode. Na mesma década, porém, para diferenciar-se do que era sucesso – e alvo de críticas ferozes de jornalistas, sambistas da velha guarda e intelectuais – ganha força o termo “samba de raiz”. Fugiria das intenções do texto debater se o termo é correto ou não, já que além da polêmica gerada, há ampla literatura sobre.


Porém, numa breve reflexão, vemos que a raiz remonta à prática de um samba mais tradicional, dando continuidade ao que era feito anteriormente por artistas consagrados, como Arlindo Cruz e Almir Guineto. Recordo de um episódio onde num churrasco, minha mãe pediu pra pôr samba de raiz e ao ver que colocaram Raça Negra, ela se indignou: pra ela, aquilo não era samba (Beth Carvalho chegou a apelidar de 'Jovem Guarda com Tantã'). Essa tradição, então, remonta às rodas de samba, ao samba de mesa, ao canto coletivo, ao partido alto, ao bar depois do futebol: na mente dos que se utilizavam do termo, portanto, havia oposição clara entre esse estilo e o que era feito no pagode romântico, onde as grandes gravadoras desempenhavam papel de grandes titereiros, controlando o que era lançado, como era lançado, etc. Logo, o que o termo samba de raiz representa seria – de maneira bem resumida – uma maneira de se fazer e sentir um samba de uma maneira mais tradicional e espontânea, improvisada, valorizando a tradição que remonta ao Cacique de Ramos e ao Partido Alto em oposição ao que estava em alta na indústria fonográfica, ou seja, a grupos como Raça Negra, Só Pra Contrariar, Soweto, etc. Ainda assim, alguns pesquisadores (Felipe Trotta e Acauam Oliveira, pra citar alguns) apontam que o sucesso estrondoso desses novos grupos de pagode romântico renovaram o interesse do público geral pelo samba, abrindo espaço novamente para a velha guarda - o "renascimento" de Zeca Pagodinho, o sucesso da carreira solo de Jorge Aragão, alguns discos ao vivo importantes do Fundo de Quintal, Luiz Carlos da Vila, entre outros - ou para novos artistas que se propunham a fazer um som parecido, ou regravar canções de antigos mestres. Neste grupo, podemos incluir Dudu Nobre, Teresa Cristina e o próprio Grupo Revelação.


O Grupo Revelação nasceu justamente dessa forma de fazer samba. Tendo origem nas rodas de samba na G.R.E.S Arranco no bairro Engenho de Dentro na Zona Norte do Rio de Janeiro, a partir dos anos 2000 o grupo passou a ser reconhecido nacional e internacionalmente lançando um clássico atrás do outro. Foi nesse período que foram lançadas as três coletâneas “Samba de Raiz”, num formato parecido com um disco do Grupo que rodou o Brasil através dos camelôs, “Roda de Samba no Arranco do Engenho” de 1998, uma gravação não muito usual: era realmente uma roda de samba saindo do aparelho de som, cantando músicas próprias e de outros artistas como Leci Brandão e Fundo de Quintal num clima muito descontraído.


Foto: Reprodução; Créditos: Deckdisc

A coletânea Samba de Raiz, porém, ampliou o conceito de um jeito muito singular. Regravando clássicos num formato de roda de samba, os discos não contam nem mesmo com um vocalista fixo: a voz de Xande de Pilares aparece em conjunto com a de vários homens e mulheres ou fazendo adlibs e animando o público. Ao fundo, pessoas falando, rindo, conversando, mas o principal é o samba comendo solto e o povo animado batendo palma, recriando um clima... raiz, de canto coletivo, de pagode, de cerveja, de churrasco, de bar, de maloqueiro, de comunhão. As capas onde as pessoas se reúnem embaixo das Tamarineiras do Cacique de Ramos ilustra bem o sentimento. Há aplausos no fim de todas as músicas. Palmas também para os arranjos: o que é o surdo em "Patota de Cosme", ou a transição de "Malandro" para "Malandro Também Chora"? De segurar o pagode e não deixar cair. Se engana, porém, quem pense que por conta disso a gravação do disco foi prejudicada: é magistralmente bem gravado e mixado. A já conhecida versatilidade e habilidade de todos os instrumentistas é valorizada e os graves são bem captados. Méritos também do produtor João Augusto. Ouça no som mais alto e potente que puder.


Seria impossível falar do projeto, claro, sem falar das músicas tocadas. O samba raiz, pois, são as músicas de Jovelina Pérola Negra, Almir Guineto, Mauro Diniz, Adilson Bispo e outros grandes nomes do samba. Destaco: “Insensato Destino” de Acyr Marques, já regravada por tantos artistas de peso, de Reinaldo a Zeca Pagodinho; “Fora de Ocasião” de Royce do Cavaco; “Caxambu” de Almir Guineto; “Cabelo Pixaim” de Jorge Aragão; “Bebeto Loteria”, grande crônica sobre o Brasil (Até quem não é!!) do Fundo de Quintal; “Conselho” de Adilson Bispo, um clássico regravado por ninguém mais ninguém menos que Almir Guineto (quem nunca ouviu essa música para se levantar quando passou por algum momento difícil?); “Estrela de Madureira”, uma joia de Acyr Pimentel e Ubirajara Cardoso sobre a atriz Zaquia Jorge imortalizada na voz do imperiano Roberto Ribeiro e “Samba no Quintal” de Beth Carvalho, música que simboliza a intenção do disco. Sem dúvidas, uma pérola do grupo carioca, trilha sonora de qualquer churrasco ou festa com os amigos e família, mas também uma singela homenagem às influências do grupo e a vários dos maiores nomes da história da música brasileira.



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