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PEITA DE TIME E A MÚSICA MARGINAL

Atualizado: 7 de mai. de 2021


Texto de: João Redmann

Arte de: Nestor Visuals

Revisão de: Tiele Kawarlevski


Há quem diga que camisas de time só servem para ser usadas em estádios ou bares, porém essa desvalorização tem diminuído com a crescente procura por essas peças, tanto pelo público masculino, quanto pelo feminino.


A pergunta que fica é: o que está levando essas peças para fora dos estádios? Da mesma forma que o hip-hop alavancou a cultura dos sneakers nos Estados Unidos, aqui no Brasil, além da paixão inata que temos por futebol, a cultura da camisa de time tem sido alavancada entre o público mais jovem graças ao nosso estilo musical dominante:  o funk.


"Tá de Hornet,

Tá de XT,

Tá de radim, de PT, de pentão,

De peita de time,

E o bonezin de fitão."


Nessa música, intitulada "Peita de Time", o MC Danone revela que as camisas de time fazem parte da vida de quem vive na quebrada. Vale ressaltar que, apesar de ele falar da realidade do crime, na qual está inserido, essas peças NÃO são usadas apenas por quem faz parte do crime.


Sim, isso é óbvio, mas é importante ressaltar, já que o Estado ainda usa de estereótipos para abusar do poder contra pessoas inocentes; na sua grande maioria, negras. Rashid resume isso com maestria na música "Estereótipo":


"Se chama inversão de valores, ou show de horrores,

Quando a definição de suspeito vem com uma tabela de cores,

Sua justiça morreu quando embrião, sua lei já falhou no protótipo,

E o azar é daquele que assim como eu se encaixa no estereótipo."


Como bem disse o mestre Bezerra da Silva em "Vítimas da Sociedade", se eles desejam mesmo prender o ladrão, é só dar meia-volta e pegar aqueles que andam de gravata, colarinho e saúdam ditador.


Além do funk, existe um gênero mais underground que vem chamando muita atenção: o grime. Mas antes de entender o grime brasileiro, precisamos pegar um avião e ir até a Inglaterra, pois foi onde o gênero foi criado.


A paixão dos artistas de grime da terra da rainha pelo esporte é grande. Eles não poupam linhas que referenciem times e jogadores e sempre andam por aí com camisas de time; um bom exemplo é a música "Thiago Silva" do Dave com participação do AJ Tracey:



A maioria dos cantores do gênero são fãs declarados de algum time. AJ Tracey, por exemplo, nunca negou seu apreço pelo Tottenham Hotspur.


Além do famoso freestyle dedicado ao Spurs e Dele Alli, ele fez parte do lançamento oficial dos uniformes do time na temporada 17/18 com o single "False 9". Nessa música, ele cita diversos jogadores, entre eles, o ex-Tottenham Nathan Oduwa.


E o Skepta? É comum associar o Skepta com o Tottenham, já que ele veio de lá. Na verdade ele não torce para nenhum time, porém sempre anda trajado com belíssimas peitas das seleções inglesa e nigeriana.



Agora que você entendeu o grime britânico, fica mais fácil entender porque esse gênero gera uma identificação tão natural com a realidade brasileira.


Diferente do trap, a essência do grime não é valorizar grifes, carros caros e modelos famosas. O grime é muito mais sobre as vivências da rua e do bairro, sobre os times e os jogadores que você gosta, é vestir camisa de time e tracksuit, não Gucci e Prada.


Nesse cenário, em março de 2020, o trio Cesrv, Fleezus e Febem fizeram história com um trabalho que sintetiza bem o jeito brasileiro de fazer grime; rimas frenéticas e beats metalizados que misturam funk e eletrônica marcam o EP Brime!.


As referências ao esporte do povo começam na capa do EP. Nela vemos o zagueiro Chicão dando um carrinho no jogador belga Eden Hazard na final do Mundial de Clubes de 2012.


A imagem é uma metáfora em que o jogador brasileiro derruba um jogador que atuava por um time inglês, ou seja, o trio brasileiro roubando a cena do grime dos caras que criaram o gênero.



Na faixa 4 do EP, "Chelsea", Fleezus compara sua caminhada com a de alguns ídolos do Corinthians.


Cita o ex-atacante Emerson Sheik, cita Cássio, atual goleiro do time e cita Tite, atual técnico da seleção e ídolo do Corinthians por ter liderado os alvinegros na conquista da Libertadores e Mundial de Clubes em 2012. Ronaldo Fenômeno, que foi para o timão em 2009 e conquistou uma Copa do Brasil e um Campeonato Paulista, também não fica de fora da letra de Chelsea.


"Malandro em campo, Emerson Sheik

Muralha mesmo é o goleiro Cássio

2012, tô tipo Tite

2009, lembro o Ronaldo"


Depois do lançamento do EP, Fleezus deu uma de “Stormzy brasileiro” e fechou uma parceria oficial para anunciar a camisa nº 2 do seu time do coração; em "1990 O Início De Uma Era" ele conta a história do primeiro título brasileiro do Corinthians.


"Nunca fomos favoritos com heróis em comum

Solta no pé do Neto que ele marca mais um

Talismã da fiel, calando o morumbi

Campeão brasileiro e tudo muda a partir daqui"


Como você pode ver, as camisas de time fazem parte da cultura popular das quebradas do Brasil  —  e da Inglaterra  —, o que é motivo suficiente para que sejam defendidas com unhas e dentes por nós.


O problema é que o pensamento elitista permeia todas as áreas da sociedade e a moda não fica fora disso; ainda existe certa resistência quanto ao uso dessas peças fora do contexto esportivo.


É muito legal que collabs entre high fashions e times de futebol aconteçam, como as peças da Pallace x Juventus que foram inspiradas nos modelos da Adidas vistos na Copa do Mundo de 2006.



Tem também a collab do estilista Yohji Yamamoto x Real Madrid. O japonês, velho parceiro da marca das três listras, aplicou em uma camisa toda preta o desenho de um dragão e de um pássaro entrelaçados no peito.



Existe muita criatividade envolvida nessas collabs, o que o Yamamoto fez nessa camisa do Real Madrid é uma obra de arte, mas é preciso entender de onde vem essa estética e o que ela significa para toda uma classe.


Diversos problemas socioeconômicos fazem parte do cotidiano do brasileiro periférico há séculos e, mesmo assim, vestimos nossas peitas de time, driblamos as dificuldades da vida e mostramos pro mundo como amamos nossos clubes do coração.


Nós precisamos manter o popular vivo, precisamos combater qualquer preconceito com o que nos pertence. O futebol é muito mais que um jogo, as camisas de time são muito mais que uma peça de roupa. São uma forma de resistência.

 

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