Texto original: Alphonse Pierre
Tradução: Victor Aguiar
Num dia de final do verão de Setembro de 2018, dezenas de jovens habitantes da cidade de Chicago se reuniram nos bosques de South Holland, Illinois, para ter um vislumbre do futuro. O evento era o Camp Smokey Bear, um festival externo com tema centrado em acampamento de verão onde os maiores e melhores novos talentos da cidade estariam performando. Algumas das figuras mais influentes na cena hip-hop da cidade estavam envolvidas, incluindo Finesse Fest, um DJ e produtor de eventos local de 26 anos. Já cotado pra tocar como parte do line-up de DJs do evento, Finesse Fest descobriu que ele teria um outro trabalho naquele mesmo dia quando foi chamado por Calumet City, equipe gerencial do rapper de Illinois 147Calboy. Eles precisavam que Finesse Fest fosse o DJ do set da estrela em ascensão de 19 anos. Apressadamente se preparando para a performance, Finesse Fest folheou o set list e ouviu às tracks correspondentes que a equipe de Calboy havia mandado. Um som chamou atenção imediatamente—”Envy Me”, som que viraria um hit viral do Calboy. Finesse já era familiar com o flow cantado de Calboy, mas esse som era especial. Calboy não tinha só evoluído em sua melódica e sua narrativa descritiva, como também o beat fortemente impulsionado pelo piano da track sentiu como o encaixe perfeito para seus emotivos vocais. “Assim que eu ouvi ‘Envy Me’ fui envolvido por como relatável ele era’, diz Finesse Fast. Em pouco tempo ele acompanhou o som virar um fenômeno em Chicago e então no país inteiro. “Três meses depois e já tá na rádio, tocando nos carros. Até Meek Mill tá falando sobre, tava em todo lugar.”
Mais cedo nesse verão, em agosto, 147Calboy lançou o clipe de “Envy Me” na página do diretor e fotógrafo Toinne — um eixo hiperlocal para maior parte do crescente talento do rap de Chicago. O vídeo de baixo orçamento decolaria a cena de rap melódico de Chicago a caminho de ganhar notoriedade nacional. O hit bem-sucedido de Calboy incorpora todos os elementos essenciais do novo movimento de Chi Town: flow de rap cantado melancólico, beats sombrios com samples de piano e letras inspiradas pela dor— em conjunto um som mergulhado em luta. “É uma história da juventude de Chicago” diz Finesse Fest sobre “Envy Me”. “É sobre superar a pobreza, as drogas, a violência e de alguma forma conseguir alimentar sua família e amigos.”
Independente do assunto pesado retratado e de sua conexão específica com a vivência da juventude negra de Chicago, sua melodia cativante o fez um novo favorito das redes sociais de dança performativa e lip-syncing, como TikTok, Dubsmash e Triller. No outono a quantidade de views no YouTube estourou e desde então vem de forma consistente ganhando exposição (estava a 35 milhões de views no momento em que o artigo original foi escrito). Depois disso o som já não poderia ser considerado mais como uma sensação local ou online, e sim como um genuíno hit conseguindo alcançar a posição 41 no Billboard Hot 100. A popularidade de “Envy Me” abriu as portas para artistas parecidos como Polo G, El Hitta e Lil Zay Osama, fazendo dessa onda o movimento mais impactante da cidade no rap mainstream desde que Chief Keef e o drill viraram assunto de rede social em 2012. Mas essa nova onda será construída sendo sustentada nas estruturas que os predecessores do drill já construíram.
O drill de Chicago teve seu auge nos charts com sons como “Love Sosa” e “I Don’t Like” de Chief Keef há quase 7 anos atrás, mas suas estrelas, como o rapper de 26 anos Lil Durk, ainda têm uma forte presença na cidade. Durante os primeiros anos do drill, a cena não era necessariamente ausente de melodia, mas Durk, através de um vocal etéreo e com autotune, empurrou a estética vocal do subgênero pra outro território. “Antigamente todo mundo dizia ‘Mano, por que você tá cantando essa merda?’” Durk relembra. “Mas eu não estava focado de fato no dill, eu ouço isso hoje e não consigo acreditar que fiz isso.” Assinado a Def Jam na época, a recusa de Durk a se conformar em usar a estética padrão do drill confundiu executivos do selo, mas tocou com a geração mais jovem de Chicago. “As pessoas às vezes negligenciam Durk porque ele ainda é muito jovem,” diz Finesse Fest. “Mas ele não só veio das ruas e venceu, como também consegue conectar com elas de uma forma que ninguém mais faz". Como Yung Chop para Polo G e Lil Bibby para Juice WRLD, Durk virou uma figura de irmão mais velho para a cidade e subsequentemente sua melodia se tornou uma fonte de inspiração.
Vocalmente, Lil Durk é um dos precursores da cena, mas a onda de beats sampleando pianos pode, pelo menos em parte, ser atribuída ao produtor D. Brooks Exclusive. O prolífico produtor veterano de Chicago, conhecido por produzir “Untouchable” de Youngboy NBA, trabalhou com artistas da cena em ascensão como Calboy. A instrumentação específica do piano que o drill popularizou em Chicago era mais relacionada a um filme de terror do que a atmosfera melancólica das músicas dos artistas da safra atual.
O rapper de 29 anos Polo G é um desses artistas. As notas melodramáticas no seu hit “Finer Things” são suaves o suficiente para uma trilha de Hayao Miyazaki, e sua melodia etérea retrata naturalmente a sua dor. Sua escolha estilística foi calculada, como o mesmo diz, “A melodia facilita a conexão e mostra emoção.”
Depois de alcançar seu primeiro 100,000 de views em um som sem nenhum clipe com “Finer Things” — um feito no mundo impulsionado por vídeos, que é o do rap viral — Polo G abandonou o flow influenciado pelo drill utilizado em seu single mais antigo “Gang With Me” e seguiu “Finer Things”, seu hit bem-sucedido, com o similarmente emotivo “Hollywood”. Em “Finer Things”, ele canta sobre a morte que ele teve que lidar em Chi (“Yeah my friends died too, I know the feeling”) e as noites que ele teve que passar em uma cela (“Almost went insane, went insane, went insane, from all this pain, all this pain, all this pain”). De acordo com Lil Durk, esse tipo de emoção ajudou a nova geração de artistas a alcançar públicos além da cidade. “Quando a gente tava fazendo música de trocar tiro era pra gente, mas essa dor no som dele é universal.”
Ell Hitta, do West Side, canalizou de forma parecida sua dor. Quando o rapper de 23 anos canta, parece o começo de um hino inspirador feito pra cantar junto; os comoventes vocais são comumentes pairados com estimulantes instrumentais de piano para criar o efeito triunfante que se ouve no seu icônico som, “Aww Yea.” Sua persona animada e passos de dança únicos o diferencia de seus pares, com um estilo o mesmo atribui a sua vizinhança local na Costa Oeste onde, diz ele, “Somos conhecidos pelo gingado nos pés.”
Como fosse uma versão 2.0 da cena drill, a nova geração de Chicago é tão digital quanto das ruas, expandindo seus horizontes através do YouTube e das redes sociais. Em 2012, Keef e G Herbo usaram canais locais como DGaines123 e Homespun Media Group pra se tornarem o assunto do hip-hop e mais canais como Laka Films, Diamond Visuals e J Visuals surgiram pra dar plataforma à florescente cena. E como a cena cresceu para incluir serviços de vídeo focado em dança, como TikTok e Triller, artistas estão usando essas ferramentas pra espalhar sua música. Artistas como Calboy, Polo G e El Hitta estão se beneficiando de uma indústria agora melhor equipada para quantificar e recompensar sucesso viral. Quando o Keef surgiu pela primeira vez a indústria ainda não era totalmente ajustada aos novos métodos de consumo musical, tampouco incluiria hits de YouTube nas rodas de debate da Billboard até Fevereiro de 2013. Agora essa nova onda de Chicago tem uma receita quase-perfeita para uma cena sustentável: estrelas bem-sucedidas, conteúdo relatável, uma indústria capaz de medir seu alcance e mentoria e inspiração da geração anterior. Polo G coloca tudo em perspectiva, “É um conto de duas eras,” diz. “Chicago atingiu o pico, e todos esperavam o que viria emergir agora e então, do nada, a gente apareceu.” Mas, como todas as cenas, a música vai continuar a evoluir. E mesmo que os artistas evoluam para além da estética associada com sua geração, a dor e o esforço de Chicago vai seguir sendo integral à sua música. “Muito desses manos surgindo na cena esses dias não passaram pelo sufoco,” diz El Hitta. “Ouça os seus raps, suas vozes, como eles falam, eles não passaram por esse sufoco. Mas em Chicago, nós passamos por esse sufoco, estamos contando nossas histórias e é isso.”
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