Texto de: Marco Aurélio (Marcola)
Quando Alberto Korda mirou sua câmera para Ernesto Che Guevara, no dia 05 de março de 1960, não imaginava que aquele pequeno recorte de tempo se tornaria uma lenda capaz de atravessar gerações, ideologias e pessoas. Korda não era como um fotojornalista estrangeiro com o desejo de registrar aquele novo mundo que se criou há apenas 500KM da costa da Flórida. Korda foi, mais do que tudo, um revolucionário.
“Certo dia, vi uma menina cubana fazendo uma saia improvisada de papel para vestir uma boneca; percebi que a boneca era apenas um pedaço de madeira e, sensibilizado, resolvi me unir ao ideal revolucionário que prometia acabar com aquele tipo de injustiça social”.
Junto de Fidel, Che, Raul, Camilo Cienfuegos e tantos outros combatentes, esteve na cordilheira de Sierra Maestra, onde a Revolução foi organizada, até a gloriosa vitória e desembarque do grupo em Havana, com grande apoio das massas. A saga revolucionária ao lado de seus companheiros deu origem ao livro “Korda: A revolucionary lens”, que retrata todos os momentos da insurreição cubana.
Com suas convicções socialistas e pró-revolução, Korda se tornou um dos elementos mais importantes no que podemos chamar de “épica revolucionária cubana”, ajudando a construir o realismo socialista da ilha, e se tornando fotógrafo oficial de Fidel Castro.
Num dos primeiros casos de terrorismo norte-americano promovidos dentro da ilha, logo em 1960 - conhecido como La Coubre - Korda registrou o funeral em homenagem aos mais de 100 cubanos mortos no atentado. Foi nessa ocasião em que nasceu o mito imagético do “Guerrilheiro heróico”.
Foram necessários apenas 90 segundos para que a história se materializasse. A uma distância de 7 metros, Korda mirou sua Leica sobre uma tribuna em que estavam Fidel Castro e outros líderes cubanos, e acertou em cheio o rosto determinado do médico, guerrilheiro, teórico marxista e comandante, Che Guevara. Na imagem original, Che aparece ao lado de um homem e do que parece uma palmeira, mas não seria esse o recorte que se tornaria, há 60 anos, um dos maiores símbolos da luta comunista pelo mundo.
Alberto Korda, assim que retornou ao seu estúdio, revelou a imagem e fez um recorte para remover qualquer elemento que não fosse Che Guevara. Para efeito de curiosidade sobre o poder que a imagem carrega, no mesmo dia, Fidel Castro deu o famoso discurso em que, pela primeira vez, mencionou o lema “Pátria ou Morte!”.
Com a fotografia revelada e editada, Korda a enviou para o jornal “Revolucion”, a qual colaborava na época. Sem interesse num primeiro momento, o jornal dispensou a imagem, que ficou por anos no estúdio de Korda e, durante muito tempo, esquecida.
Foi só em 1967, meses após o assassinato de Che Guevara, que a imagem ganhou importância. Em uma visita à Itália, Fidel Castro estendeu um cartaz de um metro por 70 centímetros, em que o rosto de Guevara prevalecia sereno, determinado e convicto sobre a vitória da revolução mundial.
Giangiacomo Feltrinelli, escritor e guerrilheiro italiano - editor de “Diário na Bolívia”, escrito por Che Guevara - pediu a Korda um retrato do revolucionário argentino. Alberto lhe ofereceu a imagem que estava em sua parede, dizendo que era a melhor fotografia que havia feito de Guevara. O fotógrafo não cobrou pela imagem, já que seria doada para um camarada em luta revolucionária.
Foi assim que a fotografia se tornou o maior símbolo da luta proletária pelo mundo. A presença massiva em protestos contra a morte de Che Guevara foi o estopim que fez a imagem correr pelo mundo. Sua figura esteve presente em guerrilhas africanas que conduziam as guerras de libertação pelo continente, na Europa e por toda a América Latina. Na época, Che era um dos maiores exemplos para os povos oprimidos, movimento causado pelo sucesso da Revolução Cubana, uma das maiores vitórias da história do socialismo. A imagem está presente na moeda cubana, na Praça da Revolução, em Havana, e diversos outros pontos do país que lhe acolheu. Este artigo da Associated Press relata a potência que a imagem tem, décadas após ser lançada para o mundo, sendo possível ver o rosto de Guevara em bandeiras, balões, faixas de torcidas, muros e camisetas por todo o mundo.
Todos esses elementos tornaram a famosa imagem de Che, segundo a revista TIME, como uma das, senão a mais famosa e influente da história. A potência dos olhos de Guevara observando o seu povo, o rosto com serenidade e determinação, a postura combativa e pronta para dar a vida por sua causa, esses são só alguns pontos que tornam “Guerrilheiro Heróico” um símbolo eterno. Naquele momento difícil, em que seu país havia sofrido um atentado pelas mãos do imperialismo, a imagem simbolizava a vingança e a vitória do seu povo.
Mas, a imagem que foi disponibilizada por Korda para livre uso, sem que o fotógrafo tivesse direitos - por escolha própria - tomou caminhos diferentes dos quais Ernesto e Korda gostariam. Aleida Guevara, filha de Che, tentou deter a comercialização da imagem de maneiras que considerava abusiva.
Numa entrevista para o New York Times, em 2007, a filha de Che demonstrou insatisfação com os caminhos que o símbolo de seu pai tomou:
"Não estamos atrás de dinheiro", disse Aleida. "Só queremos o fim do abuso. Ele pode ser uma pessoa universal, mas respeitem sua imagem."
Isso fez com que, numa única ocasião, Korda processasse uma marca de vodka que usou a imagem de Che de forma considerada desrespeitosa. Ganhou 50 mil dólares no processo, que foi doado, integralmente, para o sistema de saúde cubano. Korda nunca foi contra o uso da imagem, acreditando ser uma forma de espalhar os ideais do comunismo e da revolução cubana. Mas concordava com o posicionamento de Aleida Guevara, afirmando que, "sou categoricamente contra a exploração da imagem de Che pela promoção de produtos como álcool ou para qualquer finalidade que denigra a reputação do Che” .
Para Maria-Carolina Cambre, da Universidade Concordia, “a imagem de Che Guevara é vista como um ícone global que cruza várias fronteiras sociais e culturais exemplificadas em protestos de rua e em diversas mensagens visuais, como pôsteres, logotipos, camisetas e slogans”. Apesar disso, a professora acredita que a indústria da moda trabalha para diluir o símbolo político da imagem.
Artistas como Andy Warhol foram responsáveis pela inserção do “Guerrilheiro heróico” no mundo do pop art, tornando Che um ícone entre jovens que, muitas vezes, desacreditam de seus ideais, ou mesmo nem o conheciam. Qualquer busca na internet sobre a imagem traz uma infinidade de camisetas, broches, bandeiras, canecas e diversos outros acessórios com o famoso retrato, custando alguns dólares, sem que fizesse o trabalho que, para Korda, era essencial: propagar o Guevara revolucionário.
Em 2013, Dante, um dos filhos de Alberto Korda, leiloou a câmera Leica usada pelo fotógrafo para registrar tanto Che quanto a Cuba revolucionária, pelo valor de 18 mil euros. Um dos poucos originais da imagem também foi leiloada pela família, pelo valor de 9 mil euros.
Outro problema são os movimentos não organizados, que veem na imagem de Che um homem de honra, guerreiro e lutador, o que se torna um perigo quando separada de sua ideologia política, dando margem para que movimentos reacionários possam cooptar a figura de Che para fins que o revolucionário combateu durante toda a sua vida.
A nossa tarefa, enquanto marxistas-leninistas, comunistas e ideários de uma esquerda revolucionária, é propagar a imagem de Che como ela é, de um homem que lutou pelo seu povo e por toda a América Latina, sem que o apagamento histórico do revolucionário consiga fazer o mesmo que fizeram com Frida Kahlo e tantos outros comunistas, se tornando objeto de decoração para liberais da classe média de todo o mundo.
Korda acreditava que a fotografia era uma arma potente no auxílio da consciência de classe e revolucionária dos trabalhadores. Dedicou a sua vida para esta causa, usou sua câmera como ferramenta - assim como as foices e os martelos - a favor de uma nova realidade para os povos oprimidos de todo o mundo. A imagem de Che, enquanto pessoa e símbolo, é uma das grandes vitória do movimento comunista no século 20, e deve ser protegida e celebrada, longe de revisionismos rasteiros.
No livro “Para entender uma fotografia”, o autor, crítico de arte e militante marxista, John Berger, faz uma análise de uma outra imagem de Che - quando morto na Bolívia - para sintetizar o poder que o revolucionário trazia em sua figura, material e “mítica”:
“O erro de muitos comentaristas da morte de Guevara tem sido supor que ele representava apenas uma habilidade militar ou uma certa estratégia revolucionária. Assim, eles falam de um revés, ou de uma derrota. O poder de uma fotografia é comparativamente efêmero (...). Mas isso somente porque, em alguns casos raros, a tragédia da morte de um homem completa e exemplifica o significado de toda sua vida. Tenho completa consciência disso no que concerne a Guevara.”
Pátria ou Morte, venceremos!
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