Kanye postou em seu Twitter diretrizes que devem mudar a forma como são feitos negócios na indústria musical para que protejam mais os artistas de contratos predatórios e demonstrou intenção de sindicalizar os artistas.
Texto por: Victor Aguiar
Revisão por: Vinicius Fontoura
Os tweets de Kanye West colocaram em pauta uma verdade inconveniente pra muitos: a indústria musical é predatória contra os artistas. Contratos e seus termos muitas vezes asseguram que gravadoras e seus executivos possam explorar legalmente seus artistas, usurpar a propriedade intelectual de sua arte e toda a renda possível feita por essa, desfavorecendo os artistas e enchendo os bolsos dos executivos.
Muitos artistas conhecidos assinaram contratos predatórios e perderam os direitos autorais de suas músicas: Prince, George Clinton, Paul McCartney, Taylor Swift e muitos outros tiveram conflitos com suas gravadoras e distribuidoras e perderam o direito de serem donos de seu próprio trabalho. Prince chegou a mudar o nome para um símbolo impronunciável que lembrava os símbolos do sexo masculino e feminino em 1993, só pra irritar os manda-chuvas da Warner Bros., que tinha os direitos de suas gravações. O artista só mudou de volta em 2000, quando o contrato expirou.
O mesmo aconteceu com Kanye West: aparentemente é a Universal Music que detém a propriedade dos direitos dos quatro primeiro álbums de Ye. O que isso significa? Significa que, por escolha dela, os álbuns podem amanhã sair dos canais de stream, sem falar que a receita gerada pelos álbuns é toda dela e o artista só tem direito aos royalties. O controle é todo dos executivos da Universal, que, segundo Ye, estão o impedindo de comprar a propriedade de suas gravações.
Revoltado, Kanye descreveu, num enorme e justificável desabafo no Twitter, a indústria da música e a NBA como navios-negreiros modernos e ressuscitou com essa polêmica a discussão sobre como é necessário que os artistas sejam donos de sua arte e de si mesmos, se revoltem contra as gravadoras que os exploram e rejeitem contratos predatórios que os desfavorecem. Isso, como o próprio ressaltou nos tweets, já foi dito por Michael Jackson e Prince no passado.
Para transformar essa revolta em algo concreto, Kanye escreveu no Twitter diretrizes para contratos artísticos futuros, para evitar com que artistas caiam em contratos predatórios e acabem perdendo os direitos de sua própria arte para a indústria, entre outras demandas de cunho financeiro como exigir uma maior transparência da parte dos executivos e um controle maior das finanças pro artista. Nesse artigo vou explicar o que cada uma das diretrizes significam para os artistas e para as gravadoras:
1. O artista é proprietário dos direitos autorais dos sons e das gravações e os empresta a gravadora ou distribuidora por um tempo limitado. Contratos de 1 ano. Depois desse tempo o artista pode escolher se renova com a gravadora ou distribuidora ou não, tendo a completa propriedade de seu trabalho.
2. A gravadora ou a distribuidora são prestadoras de serviços que recebem uma fração da receita por um tempo limitado. A divisão pode ser 80/20 em favor do artista.
3. Dependentes: O artista não deve depender de ninguém além de si mesmo para gerenciar seu catálogo. O artista não deveria precisar de ninguém mais para entender o negócio em que está inserido. Kanye implica que não há necessidade de um artista se ter agentes ou gerentes pro seu negócio, que ele deve negociar e gerenciar por ele mesmo.
4. Advogados: Kanye argumenta a importância de se ter contratos em linguagem simples. O trabalho do advogado é melhorar acordos e não cobrar por contratos que o artista não consegue entender ou acompanhar. Precisam reescrever acordos para que esses sejam entendidos na primeira leitura. Isso ressalta um dos comportamentos mais predatórios da indústria: os contratos em linguagem desnecessariamente rebuscada, justamente pra fazer com que muitos artistas não entendam o que estão assinando.
5. Equidade e licenças gerais: Uma parte da receita gerada por sons é através das vendas de licenças gerais, que são contratos de um ano com terceiros (como lojas, aplicativos, rádios, clubes, etc.) para que esses tenham direito de reprodução ilimitado com os sons pela duração do contrato.
Ao assinar com uma gravadora o artista a cede as licenças gerais de qualquer som que ele venha gravar nesse selo, podendo essa vender a uma empresa como o Spotify, por exemplo. Nesse negócio ele recebe de volta somente uma pequena fração do lucro que o acordo venha gerar em forma de royalties, proporcional ao número de vendas, reprodução, etc. e o resto da receita é convertida em ações para os executivos que investiram no som, as ações sendo representadas como os próprios artistas. Empresários como Meck Mercuradis lucram milhões com essas ações, enquanto os artistas não chegam a ver a cor do dinheiro.
Kanye quer por um fim nisso e exige que os artistas devem receber sua devida fração das ações da empresa, argumentando que se um som ajudou a gravadora a fazer um negócio lucrativo com uma empresa, o artista investiu tanto quanto os empresários nele e merece igualmente sua parte. "A UMG (Universal Music Group) possui atualmente 2,2 bilhões em ações do Spotify", aponta no tweet, "Essas ações são os artistas. Um sistema em que nós [artistas] recebamos nossa parte das ações declarada em nossa folha de royalties deve ser feito e um sistema onde os artistas possam lucrar."
Kanye apela para que os artistas parem de aceitar dinheiro adiantado, explicando que esses avanços são na verdade empréstimos com 75% de juros (ou mais). Ele propõe que as gravadoras tenham que COMPRAR o trabalho dos artistas, não pegá-lo por empréstimo.
6. Royalties: Kanye referencia os portais que são disponibilizados aos artistas pelas distribuidoras para que chequem o valor dos royalties que irão receber por som publicado, que, segundo Kanye, negligenciam informações como: todos os sons que o artista entregou, toda loja em que estão presentes, streams por som e renda por som para que o mesmo precise de pagar um agente para gerenciar isso. Kanye exige que os portais passem a mostrar essas informações. Ele menciona em outro tweet a importância de não separar os portais de finanças da música, uma vez que isso facilita a falta de transparência da parte da distribuidora e da gravadora com o dinheiro que a música venha gerar.
7. Portais: Ele exige mais uma vez que os portais passem a mostrar tudo do negócio: todo arquivo de áudio, todas as propriedades, todos os contratos e afins devem ser mostrados junto com o dinheiro, mais uma vez ressaltando a importância de não separar as finanças da música. Assim, quando o contrato expirar o artista pode baixar tudo o que produziu através do portal e fazer o que quiser com seu trabalho.
Hoje, dia 22 de setembro, dois dias depois de propor essas diretrizes, Kanye West postou em seu Twitter o conceito de barganha coletiva, expressando a intenção de liderar a criação de um sindicato para os artistas e dar uma voz coletiva às suas necessidades. Esse é o meio com que o mesmo intenta concretizar as diretrizes citadas.
Confira a tradução do que ele postou abaixo:
"A negociação coletiva é o coração e a alma do sindicato. A negociação coletiva ocorre quando um grupo de pessoas, como a força de trabalho de uma empresa, se reúne para aumentar seu poder de negociação. Por exemplo, um único trabalhador pode sentir que uma determinada nova medida de segurança deve ser implementada em sua fábrica, mas ele pode ter poder limitado para fazer com que a empresa instale a nova medida. Se toda a força de trabalho for informada da necessidade da nova medida e se unir para pressionar a empresa a instalá-la, há uma chance muito maior de que a empresa cumpra. Os sindicatos unem os trabalhadores, permitindo que as vozes de cada trabalhador sejam ouvidas e transformadas em um objetivo de todo o sindicato. Trabalhadores sindicalizados normalmente elegem representantes para levar suas preocupações ao sindicato."
A expectativa é que essa ação contra a indústria vindo de um artista da magnitude de Kanye West, um chamado claro para os artistas agirem e reivindicarem o direito de serem proprietários de si mesmos e de sua própria arte, motive uma mudança radical na balança da indústria que favoreça os artistas e tire os empresários de sua posição de exploradores. Kanye diz estar numa missão pra mudar a indústria musical e que está falando por vários artistas que não podem expressar sua insatisfação por vários motivos. Agora que tem bilhões no banco e poder o suficiente pra fazer com que as gravadoras precisem dele e não o contrário, ele é mais do que capaz de liderar a mudança radical necessária na indústria e unificar os artistas para esse fim.
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