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CHAINSAW MAN: AFINAL, QUEM É MAKIMA?


Texto de: Leandro

Arte de: Fresh Gvbs

Revisão de: Tiele Kawarlevski


Não é nenhum exagero afirmar que Chainsaw Man, o mangá de Tatsuki Fujimoto, é um clássico moderno.


O talento do autor brilha entre os painéis extremamente bem elaborados e fluídos, tanto na sua estética "suja" que conversa em tonalidade e tema com o enredo, como na pura força de entretenimento da obra, que permite se mover entre um capítulo sobre ir ao cinema e outro sobre um demônio-serra montando um tubarão voador para lutar contra um tornado de tripas com a mesma relevância e impacto.


Chainsaw Man está, ao mesmo tempo, mostrando nossas feridas abertas nas contradições da vida e descompromissado com o mundo: um herói millennial por excelência, se é que esse termo faz sentido.


Mas afinal, sobre o que é Chainsaw Man? E, mais importante, quem é Makima? Ainda que a pretensão deste texto seja discutir a obra com todos os spoilers possíveis, cabe uma recapitulação para explicar qual enquadramento darei nesta análise.


Sobre o que é Chainsaw Man?


Chainsaw Man conta a história de Denji, herdeiro das dívidas do pai com a Yakuza, em um mundo onde os medos dos seres humanos se manifestam na forma de demônios.


Nosso protagonista inicia o primeiro capítulo como um menor de idade em situação de extrema pobreza, que vendeu seus órgãos para quitar parte do seu débito e usa Pochita, seu "cão-demônio-serra", para matar outros demônios, em troca de quantias insignificantes de dinheiro.


Os sonhos de Denji, na contramão de outros personagens do gênero fantástico de shounen de batalha, não correspondem a se tornar o maior ninja, pirata, mago ou herói: comer um pão com geléia, tocar em seios, ter uma cama, uma casa e um beijo o tornaria feliz em um universo tão injusto, cruel e indiferente.


Presumo que, mesmo que a maioria das pessoas que estão lendo este texto não estejam em uma situação próxima à de Denji, a busca pela conquista de coisas essenciais para a reprodução da vida e, até mesmo, de algum conforto.


Em um mundo no qual os direitos básicos são mediados pelo capital e no qual tornar-se um cidadão pleno está intrinsecamente ligado à capacidade de consumo – seja algo que ressoa entre os leitores com idade de 20 a 30 anos.


Principalmente para brasileiros que se prepararam para uma realidade não mais existente, herdeiros de um país acometido pela agenda ultraliberal. Denji é enganado, encurralado e morto pela Yakuza no primeiro capítulo.


Pochita, então, faz um pacto com Denji: ele o daria a vida novamente em troca de poder assistir a realização de seus sonhos pelos seus olhos; a partir disso, o personagem se tornaria um híbrido entre o Demônio da Serra e um humano.


Chainsaw Man, nesse sentido, não tem a premissa mais inovadora do mundo, devendo muito a outros clássicos como Devilman. A questão é como Tatsuki Fujimoto usa dessa premissa para tecer comentários que não percebo na centralidade do debate da obra entre os fãs.


Logo no início do mangá somos apresentados à Makima, a personagem mais enigmática e uma das mais interessantes da história. Makima é a patroa de Denji em seu trabalho a serviço do Estado e a relação entre eles é extremamente interessante.


Há uma negociação entre a violência e um suposto amor, na qual Denji só pode alcançar algum nível de humanização caso cumpra com os deveres impostos pela chefe.


Makima, ao mesmo tempo que remove Denji da linha da miséria e lhe permite uma vida tolerável por meio do trabalho, explora esse mesmo trabalho sob o pretexto de promessas de afeto. O afeto, nessa lógica, é ao mesmo tempo um bem a ser consumido e uma ferramenta de domesticação de Denji.


O protagonista começa sua história na função de caçador de demônios, sob o pretexto de que, caso vencesse o Demônio Pistola (uma alegoria não tão útil para o armamento das nações centrais), teria qualquer desejo realizado por Makima.


O trabalho de Denji na segurança pública é completamente alienado e, mais tarde, ao ser confrontado com a perspectiva de entender o "lado do outro", o personagem percebe que, se o fizesse, possivelmente não daria conta de continuar trabalhando.


Ainda assim, Tatsuki Fujimoto faz questão de deixar claro que o trabalho é instrumental para Denji e para todos os outros personagens: aqueles como Aki, que encontram no trabalho seu objetivo de vida e realização pessoal, são julgados pelos demais como tolos, embora cada personagem, em maior ou menor medida, esteja ligado à segurança pública por motivos também pessoais.


O mangá deixa claro que há uma escalada orgânica – ou uma tomada de consciência –, dada a realidade material da profissão, em que quase todo caçador de demônios transfere seu objetivo de vingança ou enriquecimento para a defesa não só daqueles que ama, mas também para a defesa dos próprios momentos de interação e afeto genuíno.


Os caçadores de demônios veteranos são geralmente amargurados e ressentidos pela forma como a profissão os privou desses sentimentos e vários desistem de sua posição em detrimento disso.


Acompanhamos Denji e sua equipe curtindo um happy hour, indo ao cinema, vomitando ou dormindo de tanto beber, vivenciando sua sexualidade, entre outras cenas que seriam mais comuns em uma obra voltada a jovens adultos.


Nesse meio tempo, Makima exerce, sem disputa alguma, seu papel como a personagem mais poderosa do mangá. Embora tenda a se manter distante das batalhas mais imediatas da história, ela sempre interfere, de alguma forma, no intuito de manter seu domínio sobre todos os funcionários.


Makima, que ensinou Denji a desejar e conquistar seu desejo por meio do trabalho, é a mesma pessoa que remove de Denji a oportunidade de vivenciá-lo fora das correntes da domesticação.


O mais interessante é que acompanhamos a ação de Makima como essa entidade superior, do universo de Chainsaw Man, em duas esferas: uma muito próxima, na qual ela age como chefe, e outra na qual seu controle se faz sentir além das fronteiras do Japão.


Em ambas, a personagem instiga medo e submissão em todos os sujeitos. No ápice do mangá, já caminhando para sua conclusão, Makima revela como seu plano era remover todo prazer da vida de Denji, para que ele estivesse completamente ao seu dispor; ela se tornaria o único valor na vida do protagonista.


Para tanto, a "caçadora de demônios" cria uma escalada na tensão global, que faz com que o presidente dos EUA use o Demônio Pistola como arma de extermínio em massa, na tentativa de eliminá-la, numa cena em que centenas de nomes são apresentados em lista com um quê de memorial de extermínio, tragédia ou genocídio.


Aki, um dos melhores amigos de Denji, é possuído pelo demônio e, em seguida, morto pelo protagonista. Power, melhor amiga de Denji, é covardemente executada na frente dele por Makima.


Revela-se que Makima é o Demônio do Controle, criado pelo Estado do Japão na tentativa de manter sua hegemonia. O Controle que estende da situação doméstica à global, que domestica os afetos genuínos, que explora o trabalho e mantém o status quo de domínio do Japão sobre o mundo.


Afinal, quem é Makima?


Acho essa resposta bem óbvia. O que não é óbvio, numa crescente onda reacionária entre otakus e nerds no geral (e que também se faz presente num Japão que não sabe ou não quer lidar com sua herança fascista), é como foi possível para Tatsuki Fujimoto fazer o estrondoso sucesso que alcançou nas páginas da revista Shonen Jump, tendo Makima como vilã.


A nível temático, o fato de que isso nos é revelado na estrutura de plot twist faz sentido. Entender Makima enquanto vilã, como dito no texto, demanda uma tomada de consciência que exige uma visão holística – alguns diriam de totalidade – da realidade do mangá.


Isso requer uma análise que comece na situação cruel de exploração do trabalho dos personagens, nas implicações de sua alienação ou na conformação de suas psiques e termine no impacto que esse trabalho tem ao nível de geopolítica, na manutenção do domínio exercido por aquela que detém o poder.


Tudo isso Makima faz, sendo uma personagem sedutora, articulada e convincente, de forma que poucos sabem sobre a sua real natureza e, mesmo esses poucos, encontram-se numa situação de plena impotência.


Tatsuki Fujimoto já apontava para essas questões, mesmo antes da "grande revelação" de Makima como vilã, permeando a obra com questionamentos acerca da ética da personagem e do nível de poder que ela detinha de fato sobre outros personagens e sobre o universo de Chainsaw Man como um todo.


A pergunta que ficou comigo, ao terminar os 97 capítulos do mangá, foi: "Será que estamos atentos também ao Demônio do Controle em nosso mundo real?"

 

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